segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O divã que me deste

Ao fim de pouco mais de 8 meses de psicoterapia intensiva resolvi saír do país onde tinha vivido a minha vida inteira. O país que me marcou com uma infância e adolescência tristes. As sessões de psicoterapia começaram quando tinha 28 anos, alguns meses antes de ter abandonado os meus pais e de me ter feito à vida. Não foi fácil, mas em retrospectiva até uma situação de guerra ou de fome teria sido preferível a tudo o que passei naquela casa. Ao pensar no início de tudo, parecia-me na altura a única solução para o que andava a sentir. Mas não foi. Deitar-me num divã durante uma hora semanalmente a falar sobre mim e sobre a minha vida manifestou-se ser mais humilhante do que outra coisa qualquer. Há alguém que me possa explicar porque raio uma pessoa entrou para a universidade de medicina e seguiu não sei quantos anos a fazer uma especialisação até ter o título de psiquiatra pendurado na parede do consultório envolto numa moldura de mau gosto, para estar ali calado, apático, num silêncio mais doloroso do que todos os motivos que me levaram a deitar-me no divã? É preferível ficar em casa a falar para as paredes, ao menos conheço as paredes da minha casa e saberia com quem falo. Já para não falar do aspecto monetário, aquele gajo comeu-me 10 contos à hora, todas as semanas, durante meses. Não o condeno e se eu pudesse também preferia ganhar dinheiro assim tão fácilmente. E podia ter abandonado as sessões mais cedo do que fiz, mas mesmo contrariado ía sempre.
Mais tarde achei que não eram as ídas semanais ao psiquiatra que me íam salvar, mas o saír de casa, o libertar-me das duas pessoas mais horríveis que conheço. Mas saír de casa também não resolveu nada. Parar a merda do trabalho que tinha também não. Abandonar o círculo vicioso por onde andei às voltas durante uns tempos também não. Procurar pessoas novas, emprego novo, ambientes novos também não. Até saír do país onde nasci não mudou nada. Acho que quando as pessoas dizem que nós somos a nossa companhia mais forte têm razão, não interessa para onde eu fuja eu irei sempre comigo atrás. Até à pouco tempo esta ideia quase me fez querer morrer, mas um dia houve uma pessoa que me fiz ver as coisas não de uma forma diferente, mas com a crença de que ainda podia mudar. Não a mim mesmo mas à minha vida e à forma com encaro as coisas e a forma como elas acontecem. É tudo uma questão de aceitação, de baixar os braços e de absorver o que me é dado, tal como é e sem a teimosia de querer mudar tudo para poder ser mais feliz. Custou-me a comprar esta ideia, mas ela não desistiu até o fazer.
Sou complicado e sei que sou. Tenho lados de mim que escondo quase sempre porque sei que são feios e que a maioria das pessoas não estão prontas para ver esses aspectos, e quanto mais os escondo mais me esqueço deles, mas depois de te ter conhecido naquela reunião houve algo que mudou. Até aquelas reuniões demoraram a ser aceites pela minha mente racional e fria, mas a certa altura deixei as emoções fragilizarem-me ao ponto de me tornar vulnerável a tudo que eu sinto e nessa altura tornou-se tudo mais claro e mais fácil. É uma contradição pegada, mas se não me tivesse afogado em álcool durante tantos anos nunca teria ído parar às reuniões que tanto me ensinaram sobre mim, sobre outros como eu, sobre o importante aspecto de não ser o único nem de estar sózinho e o mais crucial não te teria conhecido. Lembraste de te ter falado do meu diário, aquele que queimei quando era mais novo? Tinhas razão quando me disseste que voltar a escrever me ía fazer bem e ajudar-me a aliviar tantas coisas que me magoam. Gostava de te dizer o quanto acho que somos parecidos, mas isso seria mais um elogio a mim mesmo e provavelmente pensarias que não te valorizo o suficiente por te comparar a alguém como eu. o que quero dizer é que apesar de todos os meus problemas complexos, do meu passado doloroso e da minha realidade tão pouco satisfatória nunca me fizeste sentir só desde que te conheci. Nunca conheci muito da tua vida a não ser quem eras durante as reuniões, mas mais de ti não precisei naquela altura. E agora o destino trouxe-nos para o mesmo lugar e encontramo-nos outra vez. Tenho pena que aqui não vás às reuniões, deixaste isso de lado mas sinto a tua falta lá. Só que é como tu dizes, assim podemos ter uma conexão diferente. Salvaste-me, ajudaste-me e nunca me esquecerei disso. Tens razão, escrever é melhor e mais barato do que ír ao divã do psiquiatra, embora saiba que também o fizeste durante 5 anos... 5 anos... hás-de contar-me como aguentaste tanto tempo.